25 de dezembro de 2011

O meu presépio

                                                       - Maria Soave -

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Quando eu era criança, gostava demais de viver este tempo que antecede o Natal. Os dias ficavam mais curtos no tempo do Advento. O sol se anunciava raramente e pálido, e as tardes chegavam abraçadas a um manto de neblina.

O tempo de Advento na Itália vem acompanhado de cheiros únicos, inesquecíveis. São os cheiros das tangerinas e das castanhas que são assadas e vendidas pelas calçadas.

Quando eu era criança, adorava o tempo de Advento. Tempo mágico e especial que antecede o Natal.
No dia do padroeiro da cidade de Milão, 07 de dezembro, em casa, nós crianças preparávamos o presépio com o pai e a mãe.

A minha família é do sul da Itália. Nós não temos a tradição da árvore de Natal, que é uma tradição dos povos do norte da Europa. Nós temos a tradição do presépio. O nosso presépio, ainda hoje, conta lindas histórias. Antes de tudo, é um presépio bem antigo. Quem fez algumas estatuetas e mandou fazer outras foi o meu "tata", o meu avô Salvatore, que hoje teria mais de 100 anos. Ele morreu novo, de febre amarela, voltando da guerra na África em 1940. Todas as estatuetas são de barro, material simples dos pobres da terra do sul da Itália. Terra: elemento fundamental da vida. Cada estatueta tem o rosto dos pobres da terra do sul da Itália.

No nosso presépio tinha os pescadores do nosso mar. No presépio tinha o forno e o poço do pequeno lugarejo onde eu e a mãe nascemos. No presépio havia o castelo com as quatro torres que os árabes construíram no litoral do nosso mar. Lá colocávamos as mulheres agricultoras com os trajes típicos de nossas regiões, os corpos morenos, da cor das oliveiras, queimados pelo sol e com um cantil de água na cabeça.

Muitas eram as crianças em nosso presépio. Havia também o padeiro, o sapateiro, "Mestre Nino e Mestre Orlando", os vizinhos da casa da avó. Na praça do presépio, perto da fonte, com o pai e a mãe nós crianças preparávamos a feira. Havia as bancas das verduras e dos peixes, as bancas com muitos tipos de queijos pendurados e as bancas das carnes.

Numa das casas do presépio, numa casa simples com a porta aberta para a rua, bem igual à casa de nossa avó, nós crianças arrumávamos Maria, José, as cabras, as ovelhas, um burrico e o Menino Jesus.

O pai e a mãe tinham uma história para cada pessoa do presépio. Eu gostava muito de "Mechu Orlando", o mestre padeiro, que fazia grandes pães com azeitonas pretas e sempre os levava para Maria e José envoltos em panos brancos, ainda quentes.

Quando colocava "Mechu Orlando" no presépio, me lembrava do forno de perto da casa da avó, de pão feito em casa, e o sabor das azeitonas pretas e do pão voltava à minha boca.

A cada noite nós, três filhos, nos reuníamos com o pai e a mãe para ouvir e contar histórias do presépio.

Cada um, cada uma de nós cuidava, durante o dia, de algumas personagens do presépio e, à noite, contava como aquela personagem tinha passado o dia. Minha mãe falava de Maria, dos trabalhos domésticos e da luta pela sobrevivência do dia-a-dia.

Meu pai, que antes de ser operário nas fábricas do norte da Itália foi marceneiro restaurador de móveis antigos, era José, falava do desemprego, da migração e das mãos calejadas.

Mauro, meu irmão, cuidava da feira e gritava tentando vender os produtos. Antonella, minha irmã, era muito pequena e representava o Menino Jesus.

A avó contava histórias do tempo em que faltava o pão e as pessoas pobres sem terra, como nossa família, comiam no mesmo prato uma comida ainda hoje para nós sagrada: a "frisella". Tratava-se de um pão duríssimo, molhado na água cristalina do mar, com tomate, azeite de oliva e azeitonas pretas. Era a comida cotidiana dos pobres sem terra. Ainda hoje é o prato que, com alegria, eu chamo de comida.

E assim, fazendo memória das nossas tradições, misturando a nossa vida com a história sagrada, construindo um presépio com o nosso rosto, tendo Maria, José, Jesus e as cabras como vizinhos de casa e de comida, nós crianças esperávamos o Natal.

No presépio eu gostava demais de cuidar dos três magos. Na parte externa eu preparava um caminho de areia e lá colocava os camelos e três viajantes. A cada dia eu mudava os magos de posição, aproximando-os cada vez mais da aldeia. Todas as noites contava histórias sobre os três. Eram de raças diferentes. Um era negro, brilhando como uma noite estrelada sem luar. Trazia no seu camelo contos e cheiros de terras diferentes, como nós, gente do mar, somos acostumados a ver dos pescadores da África, da Grécia, da Albânia que desembarcam nas praias do sul da Itália. São gente irmã, com crenças diferentes e a mesma sede de infinito no olhar

Outro vinha da terra onde nasce o sol. Sabia muitas coisas sobre a lua e as estrelas e era gente de paz.

E o último provavelmente era uma menina, e com ela eu gostava de viajar atrás de estrelas, do sonho de um mundo de irmãos, sem exclusões, um mundo onde Deus se fazia criança e morava no meio da humanidade.

Hoje o meu presépio é o espaço grande do coração. É um presépio feito de muitos caminhos percorridos e de horizontes amplos. Muitas pessoas moram na praça da pequena cidade, muitos rostos, corpos, raças, sonhos...

Continuo, como quando menina, viajando atrás de estrelas, acariciando pessoas e sonhos, construindo, no amor cotidiano, um mundo terno, sem exclusões. Um mundo de Deus-criança...

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