26 de fevereiro de 2013


Ensine-nos a Elegância

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A elegância normalmente é confundida com superficialidade e aparência.
Nada mais errado que isso.
Algumas palavras são elegantes, outras conseguem ferir e destruir, mas todas são escritas com as mesmas letras.
Flores são elegantes, embora escondidas em ervas do campo.
A gazela que corre é elegante, embora esteja fugindo do leão.
A elegância não é uma qualidade exterior, mas uma parte da alma que é visível aos outros.
E mesmo nas paixões mais turbulentas, a elegância não deixa que os verdadeiros laços de união entre duas pessoas sejam rompidos.
Ela não está nas roupas que usamos, e sim na maneira como a usamos.
Ela não está na maneira como empunhamos a espada, mas no diálogo que podemos evitar uma guerra.

A elegância é atingida quando todo o supérfluo é descartado, e descobrimos a simplicidade e a concentração: quanto mais simples e mais sóbria a postura, mais bela ela será.

E o que é a simplicidade? É o encontro com os verdadeiros valores da vida
.
A neve é bonita porque tem apenas uma cor.
O mar é bonito porque parece uma superfície plana.
O deserto é belo porque parece apenas um campo de areia e rochas.
Mas, quando nos aproximamos de cada um deles, descobrimos como são profundos, íntegros , e conhecem suas qualidades.

As coisas mais simples da vida são as mais extraordinárias. Deixe que elas se manifestem.

Olhai os lírios do campo: não tecem nem fiam. E, no entanto, nem Salomão, nem toda a sua glória, se vestiu com eles.

Quanto mais o coração se aproxima da simplicidade, mais ele é capaz de amar sem restrições e sem medo.
Quanto mais ele ama sem medo, mais capaz é de demonstrar elegância em cada pequeno gesto.

A elegância não é uma questão de gosto. Cada cultura tem uma maneira de ver a beleza, que muitas vezes é completamente diferente da nossa.
Mas em todas as tribos, em todos os povos, há valores que demonstram a elegância: hospitalidade, respeito, delicadeza nos gestos.

A arrogância atraí o ódio e a inveja. A elegância desperta o respeito e o Amor.
A arrogância nos faz humilhar o semelhante. A elegância nos faz caminhar pela luz.
A arrogância complica as palavras, porque acha que a inteligência é apenas para os eleitos. A elegância transforma pensamentos complexos em algo que todos possam entender.
Todo homem caminha com elegância e transmite luz à sua volta quando está percorrendo o caminho que escolheu.
Seus passos são firmes, seu olhar é preciso, seu movimento é belo. E mesmo nos momentos mais difíceis, seus adversários não conseguem distinguir sinais de fraqueza, porque a elegância o protege.
A elegância é aceita e admirada porque não faz nenhum esforço para isso.
Só o Amor dá forma ao que antes era impossível de ser sequer sonhado.
E só a elegância permite que essa forma possa se manifestar.

Fonte: Livro manuscrito encontrado em Accra
Autor Paulo Coelho
Editora Sextante  
(FONTE: http://projetandopessoas.blogspot.com.br/2012/09/ensine-nos-elegancia.html)

7 de fevereiro de 2013

ANATOLE FRANCE


"Se 5 bilhões de pessoas acreditam em uma coisa estúpida, essa coisa continua sendo estúpida"

"Estar triste é quase sempre pensar em si mesmo"

"Para realizar grandes conquistas, devemos não apenas agir, mas também sonhar; não apenas planejar, mas também acreditar"

"Todas as misérias verdadeiras são interiores e causadas por nós mesmos. Erradamente, julgamos que elas vêm de fora, mas nós é que as formamos dentro de nós, com a nossa própria substância"

"Pois a mulher é a grande educadora do homem: ensina-lhe as virtudes encantadoras, a polidez, a discrição e essa altivez que teme ser importuna. Ela mostra a alguns a arte de agradar, a todos a arte útil de não desagradar".

La Révolte Des Anges

(Reflexão profunda, ironia sutil e boas gargalhadas: eis os ingredientes desta pequena obra-prima de Anatole France.)


Escritor francês premiado pela Academia Francesa, Jacques Anatole François Thibault assinava com o pseudônimo Anatole France. Nasceu em Paris, no dia 16 de abril de 1844. Faleceu na cidade de Saint-Cur-sur-Loire, em 12 de outubro de 1924.
O seu primeiro grande sucesso foi a obra “O Crime de Silvestre Bonnard”, de 1881. Passou a usar o pseudônimo “Anatole France” em homenagem a livraria de seu pai que, em Paris, se chamava “Librarie de France”.

Desde jovem gostava de ler, sua primeira obra de poemas foi publicada em 1873. O escritor trabalhou em vários setores, um de seus principais empregos foi o de bibliotecário do Senado, entre os anos de 1876 a 1890.

Mesmo atuando em outras funções para se sustentar, sempre encontrava tempo para manter a sua produção literária, escreveu em vários estilos literários, sendo mais conhecido por meio de seus romances e contos.

Em 1875, colaborou com o jornal “Le Temps” como crítico literário. Em 1876, permaneceu no jornal com uma coluna semanal. Posteriormente, entre os anos de 1889 e 1892, todos seus artigos foram publicados numa coletânea de quatro volumes.

Sua principal influência literária era o racionalismo humanista. Era um autor que condenava o excesso de dogmatismo e explorações filosóficas. Era cético em nível urbano e hedonista. Em 1895, publicou a obra “O Jardim de Epicuro”.

No ano seguinte, Anatole France tornou-se membro da Academia Francesa. Em 1877, havia se casado com Valérie Guérin de Sauville, mas , por ser amante de Leontine Lippmann, seu casamento terminou em divórcio.

Leontine era o verdadeiro amor de sua vida e apoiadora de seus livros, através dela Anatole France tinha boas relações sociais. A obra “O Livro de Meu Amigo”, romance autobiográfico, foi lançado em 1888. A história desse romance foi continuada nos posteriores livros “Pierre Nozière” , lançado em 1899, “Le Petit Pierre” , em 1918 e “La Vie en Fleur” , em 1922 .

Se aproximou ao naturalismo de Zola. Ainda lançou as obras “Baltasar”, em 1889, e “Thais”, em 1890. Thais era uma cortesã de Alexandria que se converteria ao cristianismo.

Com o passar do tempo, Anatole France se interessou e se aprofundou em temas sociais. Apoiou Émile Zola no caso “Dreyfusi”, e devolveu a sua Legião de Honra, quando retiraram a de Zola.

Ajudou a fundar a Liga dos Direitos do Homem. Filiou-se ao Partido Comunista nos anos de 1920. No ano seguinte, recebeu o Prêmio Nobel de Literatura pelo conjunto de sua obra.

Em 1922, teve uma de suas obras incluídas no “Index”, ao questionar a sociedade e a igreja. Depois de sua morte, todas as suas obras foram relançadas em 25 volumes, entre 1925 e 1935.



Um poema de Anatole France ( 1844-1924)



La mort d’une libellule
Um jour que voyais ces sveltes demoiselles,
Comme nous les nommons, orgueil des calmes eaux,
Réjouissant l’air pur de l’éclat de leurs ailes,
Se fuir e se chercer par-dessous les roseaux,
Um enfant, l’oeil en feu, vint jusque dans la vase,
Pousser son filet vert, à travers les iris,
Sur une libellule; et le réseau de gaze
Emprisonna le vol de l’insecte surprise.
Le fin corsage vert fut percé d’une épingle;
Mais la frêle blessée, en un farouche effort
Se fit jour, et, prenant ce vol strident qui cingle,
Emporta vers les joncs son épingle e sa mort.
Il n’eût pas convenu que, sur une liève infame,
As beauté s’étalât aux yeux des écoliers:
Elle ouvrit pour mourir ses quatre ailes de flamme
Et son corps se sécha dans les joncs familiers.

A morte de uma libélula
Certa vez, vi essas esbeltas mocinhas,
Como as chamamos, orgulho das águas calmas,
Deliciando-se no ar puro do brilho de suas asas
Evadirem-se e se  procurarem por sobre os caniços.
Uma criança, o olho afogueado, veio até ao vaso,
 E, através dos íris uma rede verde, estender
Sobre uma libélula e a rede de gaze
Impedir do inseto surpreendido o voo.
Foi, por um alfinete espetado, o fino corpinho verde;
Porém, a frágil criatura  ferida,com um enorme esforço,
Alento recobrou e, alçando voo, estridente singrou,
Em direção aos juncos, levando o alfinete e a morte.
Sobre uma cortiça infame, não lhe convinha,
Aos olhos dos escolares, a beleza exibir:
Abriu, então, pra morrer, as quatro asas de chama
E, nos juncos familiares, o corpo secou.
                                                                                       (Tradução de Cunha e Silva Filho)


3 de fevereiro de 2013

O FAZENDEIRO DO AR

Curta-metragem de Fernando Sabino e David Neves feito em 1972. Drummond descreve aspectos de sua vida, abordando temas como família, religião e vida profissional.


HOJE NÃO ESCREVO

- Carlos Drummond de Andrade -



Chega um dia de falta de assunto. Ou, mais propriamente, de falta de apetite para os milhares de assuntos.
Escrever é triste. Impede a conjugação de tantos outros verbos. Os dedos sobre o teclado, as letras se reunindo com maior ou menor velocidade, mas com igual indiferença pelo que vão dizendo, enquanto lá fora a vida estoura não só em bombas como também em dádivas de toda natureza, inclusive a simples claridade da hora, vedada a você, que está de olho na maquininha. O mundo deixa de ser realidade quente para se reduzir a marginália, purê de palavras, reflexos no espelho (infiel) do dicionário.
O que você perde em viver, escrevinhando sobre a vida. Não apenas o sol, mas tudo que ele ilumina. Tudo que se faz sem você, porque com você não é possível contar. Você esperando que os outros vivam para depois comentá-los com a maior cara-de-pau (“com isenção de largo espectro”, como diria a bula, se seus escritos fossem produtos medicinais). Selecionando os retalhos de vida dos outros, para objeto de sua divagação descompromissada. Sereno. Superior. Divino. Sim, como se fosse deus, rei proprietário do universo, que escolhe para o seu jantar de notícias um terremoto, uma revolução, um adultério grego – às vezes nem isso, porque no painel imenso você escolhe só um besouro em campanha para verrumar a madeira. Sim, senhor, que importância a sua: sentado aí, camisa aberta, sandálias, ar condicionado, cafezinho, dando sua opinião sobre a angústia, a revolta, o ridículo, a maluquice dos homens. Esquecido de que é um deles.
Ah, você participa com palavras? Sua escrita – por hipótese – transforma a cara das coisas, há capítulos da História devidos à sua maneira de ajuntar substantivos, adjetivos, verbos? Mas foram os outros, crédulos, sugestionáveis, que fizeram o acontecimento. Isso de escrever O Capital é uma coisa, derrubar as estruturas, na raça, é outra. E nem sequer você escreveu O Capital. Não é todos os dias que se mete uma idéia na cabeça do próximo, por via gramatical. E a regra situa no mesmo saco escrever e abster-se. Vazio, antes e depois da operação.
Claro, você aprovou as valentes ações dos outros, sem se dar ao incômodo de praticá-las. Desaprovou as ações nefandas, e dispensou-se de corrigir-lhe os efeitos. Assim é fácil manter a consciência limpa. Eu queria ver sua consciência faiscando de limpeza é na ação, que costuma sujar os dedos e mais alguma coisa. Ao passo que, em sua protegida pessoa, eles apenas se tisnam quando é hora de mudar a fita no carretel.
E então vem o tédio. De Senhor dos Assuntos, passar a espectador enfastiado de espetáculo. Tantos fatos simultâneos e entrechocantes, o absurdo promovido a regra de jogo, excesso de vibração, dificuldade em abranger a cena com o simples par de olhos e uma fatigada atenção. Tudo se repete na linha do imprevisto, pois ao imprevisto sucede outro, num mecanismo de monotonia… explosiva. Na hora ingrata de escrever, como optar entre as variedades de insólito? E que dizer, que não seja invalidado pelo acontecimento de logo mais, ou de agora mesmo? Que sentir ou ruminar, se não nos concedem tempo para isso entre dois acontecimentos que desabam como meteoritos sobre a mesa? Nem sequer você pode lamentar-se pela incomodidade profissional. Não é redator de boletim político, não é comentarista internacional, colunista especializado, não precisa esgotar os temas, ver mais longe do que o comum, manter-se afiado como a boa peixeira pernambucana. Você é o marginal ameno, sem responsabilidade na instrução ou orientação do público, não há razão para aborrecer-se com os fatos e a leve obrigação de confeitá-los ou temperá-los à sua maneira. Que é isso, rapaz. Entretanto, aí está você, casmurro e indisposto para a tarefa de encher o papel de sinaizinhos pretos. Concluiu que não há assunto, quer dizer: que não há para você, porque ao assunto deve corresponder certo número de sinaizinhos, e você não sabe ir além disso, não corta de verdade a barriga da vida, não revolve os intestinos da vida, fica em sua cadeira, assuntando, assuntando…
Então hoje não tem crônica.

AQUELE CASAL
- Carlos Drummond de Andrade -

Aquele casal, o marido me honra com suas confidências:
- Ultimamente, a Elsa anda um pouco estranha. Não sei o que é, mas não me agrada a sua evolução.
- Como assim?
- Deu para usar estampados berrantes, de mau gosto, ela que era tão discreta no vestir.
- É a moda.
- Pode ser o que você quiser, porém minha mulher jamais se permitiu esses desfrutes.
- Deixe Dona Elsa ser elegante. Não há desfrute em seguir o figurino.
- Se fosse só o figurino. São as maneiras, os gestos.
- Que é que tem as maneiras, os gestos?
- A Elsa parece uma menina de quinze anos. Ficou com os movimentos mais leves, um ar desembaraçado que ela não tinha, e que não vai bem com uma senhora casada.
- Posso dar opinião? As senhoras casadas não perdem a condição feminina, e pode até realçá-la por uma graça experiente.
Fixou-me suspeitoso:
- Que é que está insinuando?
- Nada. A mulher casada desabrochou, não é mais um projeto, pode revelar melhor o encanto natural da personalidade.
- Pois fique com suas teorias, que eu não quero saber de minha mulher revelar seu encanto a ninguém.
- Perdão, eu…
- Já sei. Estava querendo desculpar a Elsa.
- Desculpar de quê?
- De tudo que ela vem fazendo.
- Eu ignoro tudo, e adivinho que não há nada senão…
- Senão o quê?
- Aquilo que o dicionário chama de ente de razão, uma fantasia completamente destituída de razão.
- Acha então que estou maluco?
- Acho que está sonhando coisas.
- E a flor que ela trouxe ontem para a casa é sonho? Me diga: é sonho?
- Que é que tem trazer uma flor para casa?
- Veio do oculista e trouxe uma rosa. Acha direito?
- Por que não?
- Eu apertei, ela me disse que foi o oculista que deu a ela. Estava num vaso, ela achou bonita, ele deu.
- E daí?
- Então uma senhora casada vai ao oculista e o oculista lhe dá uma rosa? Que lhe parece?
- Que ele é gentil, apenas.
- Pois eu não vou nessa gentileza de oculista. Não há rosas nos consultórios de oftalmologia. E que houvesse. Tem propósito uma coisa dessas? Ela acabou chorando, dizendo que eu sou um bruto, um rinoceronte. Engraçado. Minha mulher vem com uma rosa para casa, uma rosa dada por um homem, e eu não devo achar ruim, eu tenho que achar muito natural.
- Desde quando é proibido uma senhora ganhar flor de uma pessoa atenciosa? Que sentido erótico tem isso?
- Tem muito. Principalmente se é rosa. Ora, não tente negar o significado das ordens florais entre dois sexos. O oculista não podia dar essa flor, nem ela podia aceitar. O pior é que não deve ter sido o oculista.
- Quem foi, então?
- Sei lá. Numa cidade do tamanho do Rio, posso saber quem deu uma rosa a minha mulher?
- Vai ver que ela comprou na loja de flores da esquina, e disse aquilo só para fazer charminho.
- Ela nunca fez isso. Se fez agora, foi para preparar terreno, quando chegar aqui uma corbelha de antúrios e hibiscos.
- Não diga uma coisa dessas.
- Digo o que penso. Estou inteiramente lúcido, só me conduzo pelo raciocínio. Repare no encadeamento: os vestidos modernos; os modos (só vendo a maneira dela se sentar no sofá); a rosa, que ela foi correndo levar para a mesinha de cabeceira do quarto. Cada uma dessas coisas é um indício; reunidas, são a evidência.
- Permita que eu discorde.
- Discorda sem argumentos. A Elsa não é mais a Elsa. Demora mais tempo no espelho. Fica olhando um ponto no espaço, abstrata. Depois, sorri. Estou decidido.
- A quê?
- Vou segui-la daqui por diante. Contrato um detetive. E logo que tenha a prova, me desquito.
- Não vai ter prova nenhuma, juro. Ponho a mão no fogo por Dona Elsa.
- Pensei que você fosse meu amigo. Fiz mal em me abrir. Vamos mudar de assunto que ela vem chegando. Mas repare só que os olhos de Capitu que ela tem, eu nunca havia reparado nisso!
Esquecia-me de dizer que meu amigo tem 82 anos, e Dona Elsa, 79.