9 de janeiro de 2012

                                                         Reprodução
João Cabral de Melo Neto (1920-1999)

João Cabral de Melo Neto nasceu em Recife, 
em 09 de janeiro de 1920. Publicou seu primeiro 
livro "Pedra do Sono" em 1944. 
Tornou-se diplomata, tendo viajado por diversos 
países e servido em Barcelona, Londres, Sevilha, 
Marselha, dentre outras. Conviveu com grandes 
escritores de seu tempo, era primo de Manuel 
Bandeira e Gilberto Freyre. Em 1968 foi 
eleito por unanimidade para a Academia Brasileira 
de Letras, na vaga de Assis Chateaubriand e cujo 
patrono é Tomaz Antônio Gonzaga. Era casado 
com a ensaista Marly de Oliveira e tinha cinco filhos.
Dentre seus livros destacam-se Morte e Vida Severina,
O Cão sem Plumas, O Rio, Museu de Tudo, além de 
Poesias Completas.



Morte e Vida Severina

— O meu nome é Severino,
como não tenho outro de pia.
Como há muitos Severinos,
que é santo de romaria,
deram então de me chamar
Severino de Maria;
como há muitos Severinos
com mães chamadas Maria,
fiquei sendo o da Maria
do finado Zacarias.
Mas isso ainda diz pouco:
há muitos na freguesia,
por causa de um coronel
que se chamou Zacarias
e que foi o mais antigo
senhor desta sesmaria.
Como então dizer quem fala
ora a Vossas Senhorias?
Vejamos: é o Severino
da Maria do Zacarias,
lá da serra da Costela,
limites da Paraíba.
Mas isso ainda diz pouco:
se ao menos mais cinco havia
com nome de Severino
filhos de tantas Marias
mulheres de outros tantos,
já finados, Zacarias,
vivendo na mesma serra
magra e ossuda em que eu vivia.
Somos muitos Severinos
iguais em tudo na vida:
na mesma cabeça grande
que a custo é que se equilibra,
no mesmo ventre crescido
sobre as mesmas pernas finas,
e iguais também porque o sangue
que usamos tem pouca tinta.
E se somos Severinos
iguais em tudo na vida,
morremos de morte igual,
mesma morte severina:
que é a morte de que se morre
de velhice antes dos trinta,
de emboscada antes dos vinte,
de fome um pouco por dia
(de fraqueza e de doença
é que a morte severina
ataca em qualquer idade,
e até gente não nascida).
Somos muitos Severinos
iguais em tudo e na sina:
a de abrandar estas pedras
suando-se muito em cima,
a de tentar despertar
terra sempre mais extinta,
a de querer arrancar
algum roçado da cinza.

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